domingo, 12 de setembro de 2010

Retalhos de Silêncio, por Danita Cotrim



Comece a colecionar silêncio. Não é fácil em uma cidade como São Paulo.
Mas em doses pequenas, pode ser recolhido nas pinças da observação.
Comece com aquela fração que está nas passagens do ponteiro do relógio,
quando se move de um a outro segundo. Entre o Tic e o... Tac.
Poderá encontrá-lo no quartinho fechado, quando o finalmente o recém-nascido dorme
e mãe exausta segura a respiração para que nada mais se mova.
A breve quietude no salão com cadeiras viradas
e chão úmido, pois hoje não haverá balada.
E na madrugada,
na demora do farol, entre a luz vermelha e verde,
quando na avenida nenhum carro passa pelas Águas Espraiadas.
Nesse volátil instante os pássaros ainda dormem, pois começa uma terça-feira.
Contabilize o hiato que precede o primeiro beijo.
Ou aquele após o abandono da amada.
A paz do escritório no momento que as luzes cedem e milagrosamente desligam o ar condicionado.
O abismo que sobra quando a equipe fecha a porta do centro de cirurgia.
Capture a lembrança silente e sem agrotóxicos, quando o guia turístico pede a todos que apaguem as lanternas e segurem a conversa no interior da caverna.
Então, quando tiver arrematado seus retalhos de silêncio, poderá tecer com eles uma colcha com todas as cores noturnas, costurada a pontos largos, mas com os bordados miúdos dos insones.
Esta manta é que irá nos cobrir na eternidade.

Um comentário:

  1. Danita,

    amei esse texto!
    Desde que me mudei para São Paulo, eu busco algum silêncio, desesperadamente, achei que não encontraria nunca.
    Agora você me ensinou que ele tem que estar primeiro na gente, para podermos ouví-lo em sua plenitude.
    beijos

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