quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A Sombra do Silêncio, por Giovanna Vilela

Há pessoas que adoram a solidão. Mas há também as que ignoram estar sós, e estar só quando acompanhada é dor que não acaba mais.
Tenho um prazer quase perverso em assistir a esses mundos. Talvez por estar vendo de fora, do outro lado do muro de silêncio.
Nossas risadas enchiam a mesa redonda de alegria e mostravam a quem se interessasse um universo em movimento, cheio de diversão e cumplicidade. Amigos antigos.
De dentro desse mundo assisti quando um casal entrou no restaurante. A mulher loira tinha os cabelos e o humor descorados pela tristeza e o tempo. Ela olhava para baixo a procura do que ficou para trás talvez. O marido era mais velho embora o físico atlético enganasse um pouco.
 Sentaram-se a mesa ao lado e ficou claro para mim que nossa mesa os incomodava.
Não o barulho, as risadas, mas a vida que derramava do nosso lado e escorria para seus pés.
Nenhuma palavra foi dita por eles, apenas alguns olhares carregados de tensão, um tipo de tensão acumulada e sem esperança de acabar.
O garçom se aproximou depois de um sinal feito pelo homem e anotou o pedido. Saiu e deixou o deserto sobre a mesa entre eles. Nesse momento não ouvi mais nossos risos, ouvi os gritos mudos que ecoavam da mesa ao lado.
Vi o dia em que ele a pediu em casamento. Ainda eram jovens. Acreditavam que a vida juntos seria perfeita. Pra ela, seria a chance de escapar dos olhos dos pais, além é claro, do gostinho de vitória entre as amigas, uma nova etapa na vida ,uma nova fase onde a maior preocupação seria o marido, a nova casa e os problemas de trabalho. Do trabalho dele é claro.
Ele deve te-la levado para jantar como hoje. Tirou do bolso uma caixinha enquanto pensou em seu último salário reduzido àquele embrulhinho que agora representava o futuro. Embriagado em parte pelo vinho e um pouco pelo medo. Olhou para os olhos ainda iluminados e passou as mãos pelos cabelos dourados da mulher que amava. Sabia o que queria e esta certeza enchia de força suas decisões e palavras. Ignorou as mesas ao lado, nem ligou para a invasão de olhares.
Entregou a caixinha e junto a promessa de um amor cheio de surpresas e nisso estava certo.
O garçom passou pela nossa mesa com outra bandeja de chopp e uma água para o casal ao lado, ainda mudo.
Lembrei de um soneto decorado na minha adolescência:
"De repente do riso fez-se o pranto 
Silencioso e branco como a bruma 
E das bocas unidas fez-se a espuma 
Das mãos espalmadas fez-se o espanto.De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama 
E da paixão fez-se o pressentimento 
E do momento imóvel fez o drama.De repente, não mais que de repente 
Fez-se de triste o que se fez amante 
E de sozinho o que se fez contente.Fez-se do amigo próximo o distante 
Fez-se da vida uma aventura errante 
De repente, não mais que de repente."
Os pratos chegaram e vi quando ela comeu sem sentir sabor, sem saber discernir o ruim do aceitável, o prazer da ilusão. Ele ainda tinha um quê de vida, vida fora dali, onde ainda haviam desafios e prazeres. Não parecia triste, cansado talvez. Decepcionado, mas tinha pressa. Cortou a picanha esperando acabar logo a obrigação do final de semana e voltar à vida, à mesa de bar com os amigos, o futebol, o trabalho. 
Pagaram a conta, o preço de suas escolhas. Devolveram meu olhar com desprezo e desculpas por estarem do lado de lá. Partiram, como entraram , sem trocar uma só palavra, sem cruzar os olhares sem tentar mudar.

3 comentários:

  1. Essas pessoas sempre chamaram minha atenção nos restaurantes, mas nunca escrevi sobre elas. Você é uma ótima cronista, adoro seus textos. Beijão, Angela

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  2. obrigada querida. O mundo a nossa volta é nossa maior inspiração. A verdade é que não ha melhor personagem do que as pessoas que passam por nós, saber observa-los é o segredo. E isso estamos aprendendo juntas, não é? beijos

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  3. Sim, sim, sim.
    Vamos criando observando ao redor e dentro da cachola.
    Beijos

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